Do escritório, caminhar só alguns passos para brincar com o filho. Depois da pausa, voltar ao trabalho. A gerente de projetos Vanusa Costa, de 34 anos, que sempre teve horários fixos e agendas lotadas de compromissos, está entusiasmada com a nova rotina que a espera.  Mãe do Gabriel, de 2 anos, ela decidiu viver, junto de outras mulheres, a experiência de trabalhar no mesmo local em que cuida dos filhos.

 

"Tem coisas que eu não quero perder: os primeiros passos, o dentinho doendo. Quero ter a possibilidade de, no meio da tarde, levá-lo para tomar um sorvete e voltar a trabalhar logo em seguida", explica Vanusa.  Ela vai começar a usar o espaço da Casa de Viver - projeto pioneiro no Brasil em que mães e pais podem trabalhar perto das crianças. A casa, de 170 metros quadrados, localizada na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, abriu nesta segunda-feira, 9, com ambiente para os pequenos e espaço de co-working, em que profissionais de diferentes áreas trabalham juntos.

 

No primeiro andar, os adultos podem usar internet, telefone e impressora. Uma sala de reuniões também ficará à disposição dos pais. "Posso receber meus clientes lá. É bacana essa integração entre trabalho e família", defende Vanusa, que frequentará a Casa de Viver duas vezes por semana. Na parte de cima do imóvel, as crianças brincam enquanto são monitoradas por uma cuidadora. "Os pais podem ir lá, olhar os filhos, trocar fraldas e amamentar", explica a idealizadora do projeto, Carina Lucindo, de 35 anos. Ela acredita que crianças de 0 a 4 anos serão a maioria e ainda estuda a possibilidade de destinar um espaço separado para os bebês. 

 

Mãe de duas meninas, Clara, de 4 meses, e Brigitte, de 7 anos, Carina teve a ideia de criar a Casa de Viver em 2013, depois de sentir na pele a dificuldade de aliar a maternidade ao mercado de trabalho. Trabalhando como tradutora em um escritório de advocacia, ela conta que não tinha tempo de ficar com a filha mais velha. "Era só à noite, brigando para ela ir dormir, e de manhã, brigando para acordar", lembra.

 

Incomodada com a situação, Carina começou a gestar a ideia da casa ao mesmo tempo em que Clara crescia na barriga. "Vi que não era uma demanda só minha, mas de todas as mães que precisam trabalhar, que querem se realizar profissionalmente sem ter de abrir mão do filho", diz. Ela deixou o emprego para se dedicar ao novo projeto. No caminho, contou com o apoio de outras duas mães, que conheceram e proposta e resolveram abraçar a causa. Dezessete famílias já fecharam contrato na Casa de Viver.

 

O pacote inclui as horas de co-working e a permanência do filho no espaço, que funcionará de segunda a sexta-feira, em horário comercial. Para 80 horas mensais, o valor cobrado é de R$ 650. Os preços, no entanto, podem ser combinados caso a caso, de acordo com a necessidade. Embora a proposta tenha a cara das mães - especialmente as autônomas ou que já trabalham em home office -, Carina espera que os pais também se interessem pelo espaço.

 

Socialização. Para Juliana Ferreira, de 34 anos, a possibilidade de ter um local externo para trabalhar pesou na decisão de experimentar a Casa de Viver junto com a pequena Marina, de 1 ano. "Sinto falta de conexão com gente, de ver o que está acontecendo", diz. A bióloga, que é diretora de uma organização não-governamental em São Paulo, trabalha em casa e participa de reuniões esporádicas.

 

De acordo com ela, o co-working traz ânimo novo. "Aumenta as possibilidades de troca", diz. Para Juliana, a Casa de Viver reunirá famílias que têm pensamentos semelhantes em relação à maternidade. "São pessoas que acreditam na criação dos filhos como eu", afirma. 

 

Vera Maluf, doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que a chance de socialização é positiva para a mãe. "Ela pode comentar sobre sua profissão com outras pessoas", diz a psicóloga, que estudou a maternidade e o trabalho em sua tese de doutorado. Segundo Vera, a proximidade com os pais faz a criança se sentir mais segura.

 

Para Juliana, a filha também vai desfrutar. "A Marina ama criança, ama contato. E em casa, ela fica entediada", diz. Apesar das vantagens, Juliana pretende dosar com cuidado o tempo em que a criança ficará no espaço para que o sono da tarde aconteça em casa. Por isso, a ideia é usar o ambiente por apenas meio horário. De acordo com ela, saber que a menina está tranquila faz o trabalho fluir melhor. "Se estou preocupada com minha filha, não produzo bem. Sempre acreditei no meu trabalho e amo o que faço. Vou manter minha carreira, mas é o trabalho que tem que se adaptar à minha vida",  afirma.

 

A casa também vai oferecer atividades à parte, como ioga e meditação, para os pais que tenham interesse. "Tudo o que as mães costumam não ter tempo para fazer porque não têm onde deixar a criança", explica Carina.

 

Outras iniciativas. A proposta de co-working de famílias já existe em outros países. Em Berlim, na Alemanha, foi criado o Nave Atelier, voltado para pais artistas. A ideia é que os pequenos e os adultos se desenvolvam de forma integrada. O Piano C, em Milão, na Itália, oferece espaços para crianças de 3 meses a 12 anos enquanto os adultos trabalham.

 

Nos Estados Unidos, a rede NextSpace Coworking também tem, em algumas unidades, a modalidade NextKids, que acolhe meninos e meninas em espaços próprios, com jogos e outros materiais lúdicos.

 

No Brasil, uma iniciativa parecida foi criada em uma empresa de co-working em Curitiba, a Office Inn - Hospedagem de Escritórios. No espaço, originalmente destinado aos pais, foi instalada uma sala para bebês, em que as crianças podem ficar dormindo ou brincando junto com os responsáveis - neste caso não há cuidadores. De acordo com a proprietária da empresa, Ezilda Furquim, a procura pelo espaço das crianças, no entanto, ainda é pequena. 

 

 Em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, a Casa do Brincar, voltada para as crianças, também abriu suas portas para quem deseja trabalhar perto dos filhos. No local, pais usam a internet para adiantar demandas do trabalho e realizam pequenas reuniões. "Às vezes as mães sentam em um sofazinho, abrem o computador no colo e usam o Wi-Fi enquanto olham as crianças", explica a proprietária Luciane Motta.

 

Fonte: Estadão